segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A singela história de um jardim (ou) Mais um capítulo da história colonial

Tudo começou ainda na obra. O arquiteto sonhou um pequeno pedaço de jardim, pra aproveitar em baixo da escada que ninguem gosta de passar. Ia ter umas pedrinha e uma arvorezinha. O arquiteto, que ainda tinha uma pampa em estado de dichavação, comprou uma arvorezinha, com galhinho, folhinhas verdes escuras e tal. Lá no recibo, carimbado 300 reais. Quase ninguém estranhou uma arvorezinha tão comum, tão chuchu, custar tão caro. De recibo em recibo, quando a obra acabou, o arquiteto já tinha uma pajero, zerinha, graças ao seu trabalho suado.
Tudo bem.
Aí a loja, nonde o jardinzinho ficava, foi alugada por uma bestinha que ficou triste por ser barrada na porta da Austrália, com mala, papagaio e cuia, dizendo que queria visitar o irmão. O papai, doidivanas, de dó, alugou uma loja pra ela, botou móveis. Ela, pra deixar a loja ainda mais bonita, tirou a arvorezinha, botou dentro do trocador (?), e substituiu no lugar um lindo vaso, com uma daquelas palmeiras de tronco grosso e folhas finas, não me lembro o nome.
Tudo bem.
Daí que a bestinha faliu, lógico, fechou, e do dia pra noite sumiu, levando meu martelo, as entradas de lâmpadas, sua palmeira e claro, a arvorezinha.
Passou algum tempo, sem que ninguém reparasse aquele jardim órfão.
Um dia, eu, euzinha, decidi animar a coisa. Pedi pra uma amiga, ela me deu dinheirinho em penca, mil cores e bambus. Plantei ali em baixo de casa, nonde o jardinzinho ficava. Todo-santo-dia descia, duas vezes por dia, com o baldinho molhar as plantinhas. Tinha uma trepadeira ligeira, de folhas roxas que começou a subir a escada. Todo-santo-dia eu ia quase com uma régua, medir quanto centimentros a trepadeira avançara. Era um orgulho. Até pé de manjericão eu botei. Arrodeei de pedras brancas.
Quando pensava que ia poder usar o manejericão na macarronada, aquele cheiro de xixi, um mundaréu de moscas....meu jardinzinho tinha virado um banheiro. O desgraçado parece que tinha raiva, pois vinha todo-santo-dia, de madrugada. Eu amanhecia e tava lá, uma verdadeira piscina. Eu tinha tanta raiva que desejava ardentemente jogar uma pedra na cabeça deste desgraçado. Mas seguia firme. Até o dia em que a loja foi alugada novamente. Um caipira ignorante de Teixeira de Freitas, desses que usa bota de bico fino com saltinho. O caipira esperou eu sair, foi lá, podou os bambus quase na raiz. Subiu cada degrau da minha escada, maquiavelicamente, desenrolou, volta por volta, minha trepadeira e lá embaixo, podou ela quase na raiz. Eu cheguei, fiquei quase sem voz. "Ela cresce de novo", disse o estrume. Ganhei um ódio mortal por esse caipira que ainda tenho que aturar. Abandonei o jardinzinho novamente. Certa feita, algum porco jogou uma enorme espinha de peixe, com cabeça inteira e tudo. O pessoal da loja esperou a cabeça do peixa se decompor, mas não limpou o jardim deserto. Pelo menos o cara parou de mijar. De raiva, todo-santo-dia eu molhava meus gravatás, suspensos do lado de fora, e deixava a agua pingar nos manequins, surda às reclamações das funcionárias. Mas o cara da dengue acabou com minha doce vingança quando mandou sacrificar meus gravatás.
Daí que minha vizinha, uma velhinha com cara de mendiga, pescadora de nome Norá, nos presenteou, plantando varias mudinhas de flor no jardinzinho, o que reviveu em mim o amor pela beleza e a esperança na humanidade. Voltei a descer todo-santo-dia pra enchaguar as plantinhas.
Tudo ótimo.
Até que um dia, o desgraçado mijador, passou e viu o jardinzinho plantado. Com ódio da beleza -pois por mira, seus olhos só vêem feiúra - voltou a mijar no jardim todo-santo-dia.
A verdade é o seguinte, a civilização de hoje -que pode ser tudo na vida, menos civilização - não tem mais o amor pela beleza. Os índios da amazônia se pintam porque amam a beleza. Os africanos de todas as tribos se adornam todos, porque amam a beleza. Os maias, os incas, suas indumentárias apoteóticas diziam amor à beleza. Para os muçulmanos, Deus está nas coisas belas.
Aí chegou a maldita civilização, que até hoje impera, e acabaram com tudo, mataram todo mundo, e instalaram o amor a miséria, á desigualdade e á feiúra. Em nossas ruas não há mais arquitetura. A poluição visual nos sufoca - àqueles que não se acostumam - a poluição sonora então...aiai. As meninas, as pessoas que se enfeitam, fazem isso hoje, não por amor à beleza, mas por vaidade, um pecado.
Trouxeram a cobiça, que superfatura nossas mudas, depois de ter acabado com nossas árvores. Trouxeram a inveja, que mija de raiva num jardim bem cuidado. Trouxeram a ganância, que nos rouba pés de planta. Trouxeram a ignorância, que não sabe que uma simples fatia de banana impede a dengue de botar ovos. Trouxeram a estupidez, que acha que uma loja fica mais bonita com um deserto que virou lixeira do que com um jardim bonitinho. Os europeus chegam aqui hoje, e se assustam com a feiura das cidades, a malaedacacion de seus súditos, a pobreza de espírito, esquecendo-se que foram eles que nos produziram - e nos reproduziram. Norá, essa que plantou o jardim, fez isso porque está limpa. Tem cara de mendinga, ninguém dá bola pra ela. É pescadora, vive a essência, ama a beleza.

5 comentários:

  1. Você tá é muito revoltada hein ? E com razão !!
    Viu nós lá na Crescer ??
    beijo

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  2. Olha lá no blog !!
    Fui convidada!!
    òi que chique !!!

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  3. e se te contasse que corremos o risco de virar uma grife com artesanato p crianças, com estilita e artista plástica que mora na Itália, vc acredita ?? chiiiiiu..não conta pra ninguém hein ??
    Mas pode ser sim. A grife chamará "Mãe da Lulú". Não é demais ????..a materia saiu no site da revista..tá o link no meu blog. na revista mesmo pode ser que saia o mês que vem, mas no site tá lá....

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  4. Nossa demorou pra postar..mas tb qdo postou apavoraste total..
    Adorei o post..,achei poético e profundo...!!
    Um beijo...!!!***

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  5. Muito bom o seu blog e a partir de agora vou passar a acompanhar. Bjs p/ vc , Guyão e Breno
    Cesar

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