quarta-feira, 29 de abril de 2009

Pacotinho

Quando te põem no braço aquele pacotinho pra você cuidar, estão de dando uma caixinha vazia chamada amor. Você ainda não o conhece. A caixinha vai sendo preenchida aos poucos. Aos poucos é que se materializa a relação entre vocês: quando você vai entender ele e ele vai te compreender melhor.
Os sinais entre vocês.
Hoje penso nos primeiros dias e chega dá pena do pobrezinho. Eu, sem saber nada sobre ele, fiz ele sofrer atoa varias vezes.
A caixinha vai sendo preenchida nesses primeiros encontros.
É a sua caixinha cheia de amor.

sábado, 25 de abril de 2009


Depois de nascer num dia de chuva e enfrentar uma grande tormenta, Guy desembarca no calor abafado da nossa querida mãe Bahia. O avião ainda preservou o frio de São Paulo, mas quando a porta se abriu, nosso bezerro derramou suas primeiras gotas de suor. Em casa, a adaptação foi tranquila. Vem aí nossos dias de sol.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Esmeralda gosta de índios

Esmeralda gosta de índios. De sua sabedoria, de sua civilização, de sua tecnologia, da espiritualidade. Esmeraldo queria ser índio. Não que ela quisesse ter nascido índia, mas com certeza quer ser cada vez mais índio. Menos urbana, mais civilizada. Quando engravidasse, Esmeralda teria o filho no meio do mato, com a ajuda de uma parteira. Pode até ser uma cigana americana, mas parto natural. Não o normal, mas o natural. sem holofotes, enfermeiros e suas máscaras, a filmadora, a anestesia. Sem anestesia, no meio do mato, contando com a sorte que Darwim explica. Até chegou a conhecer uma parteira, numa roda de capoeira em Ilheus, trocou telefone, MSN.
Morava numa choupana sem energia ou água, numa roça no meio da floresta, uma casa engraçada, sem parede nem móveis. Um áquario de vidro, arrodeado de árvores grandes, pés de banana, orquídeas e bromélias, uma cachoeira, morcegos, cobras, escorpiões, macacos e tatus. Preguiças e lagartos. Um friozinho gostoso no litoral da tropical Bahia. Uma lua de mel interminável, um amor diário que não escondia a vontade de se tornar uma família. Destes amôres que não precisam de contraceptivos, porque de tão verdadeiro, e vivo, é fértil como todas as coisas que são vivas de verdade. Destes amôres que toda noite ensaiam o balé de seu ultimo momento, de seu amor derradeiro e que toda noite celebram a sorte de um fruto.
Eis que esmeralda engravidou e, no instante seguinte ao primeiro enjôo, no mesmo momento esqueceu como que por um passe de mágica, da parteira cigana americana, do parto no mato, e da casa engraçada. Neto de médicos não nasce no meio do mato, porque por mais índio que Esmeralda queira ser, ela é antes de tudo urbana. Esmeralda podia estar descontaminando-se, mais não estava descontaminada.
Mudou de casa, foi pra cidade. Não pra babilônia, babilônia nunca mais. Itacaré é uma cidade pequena, de 25 mil habitantes, igreja matriz, orla marítima, umas 30 praias paradisíacas, turística, lojinhas e restaurantes abertos a noite na rua do comércio. Rodas de capoeira na praça, show de arrocha e de música evangélica, e também muito reggae e forró pra que der e vier.
Esmeralda tinha uma casa na rua do comércio, com energia elétrica, água, esgoto aberto. Fogão, geladeira e TV. Notebbok e celular. Foi pra lá que esmeralda se mudou, afim não-sei-de-quê segurança, conforto e comodiade.
Não podia, imagina se, Deus me livre acontece alguma coisa no parto. E o bebe sofra, a mãe morra, os dois morrem. Ela mesma, somente neste ano de 2008 havia precisado três vezes de um hospital. A última vez, três meses antes de engravidar, Esmeralda chegou semi-morta a emergência do Hospital São Jorge, da rede particular de Ilhéus, cooperada a seu convênio. Ele estava no meio do nada quando teve os primeiros sintomas e a jornada até um hospital levou três dias. O Hospital curou-a com seus antibióticos, mas até hoje não se sabe o que teve Esmeralda. Não era o caso de doença rara ou desconhecida, mas de incompetência médica ou, no mínimo, ambulatorial. Foi pra casa sem saber o que teve, e hoje, está em casa, pensando no que poderia acontecer se seu filho nascesse num hospital como esse. Sem São Paulo não dá.
A gravidez foi ótima, de uma preguiça ociosa gostosa somente permitida pela tranqüilidade da alma. Sol pela manhã, praia, comida natural , como o era sempre, vitaminas para o bebe, prioridade nas filas e nos assentos.
No oitavo mês Esmeralda foi pra casa dos pais, no interior de São Paulo, pra dar à luz o bebê. Se fez tanto ultrassom e visitou tanto a médica era porque tinha agora um certo medo do parto normal, desses em que se sofre horas as dores dentro de um hospital, pra que, na hora que seu filho nascer, eles o peguem antes de você e o levem, e lavem, e só te devolvem se acham que ta tudo bem. De certo que quando nascer, vão o levar, o lavar e devolver só quando der, mas pelo menos não sofreria horas a dor do parto, e o bebe não nasceria com o cordão enrolado no pescoço.
Esmeralda fez tanto ultrassom e visitou tanto a médica que a médica decidiu que o bebe já havia alcançado os 38 meses, tempo que, pra sua medicina, é suficiente pra formação completa e perfeita do feto.
Era onze de março e o tempo tinha virado, amanheceu chuviscando naquele dia que seguia tantos outros de sol. A mala estava pronta e todos estavam ansiosos pra conhecera o filho de Esmeralda.
Às nove e trinta e quatro da noite, a sala de parto parecia ume estádio, pois além dos holofotes, dos médicos e enfermeiras, suas máscaras, a filmadora e a anestesista, a platéia também estava lá: pai e avós.
Levaram o bebê e não trouxeram mais. Esmeralda demorou 24 horas pra vê-lo e sete dias para pegá-lo. Ele não foi pra casa quando nasceu, foi pra UTI. Quem foi pra casa foi Esmeralda, sem filho, sem barriga, sem moral. Quem era Esmeralda pra querer ser índio? O que teve foi que ele não tava na hora de nascer. Tava quietinho, bem, seguro e bulindo muito na barriga. Quem era Esmeral pra interromper?Quem era a médica pra dizer que interromper é natural, que a fruta dá antes do tempo? Que a evolução da vida em milhões de anos é menos sábia que uma medicina ceintífica centenária.
Quem sofreu foi o bebe, que foi puxado a ferro, tomou mais de 35 tipos de remédio pra fazer o que a natureza faria sem nenhum, ficou 10 dias com um tubo enterrado na goela, numa sala de luz de geladeira, cheia de bips e twins, pessoas vestindo luvas pra tocar nele, e ainda nasceu antes do dia de seu aniversário. Ninguém jamais saberá o dia do aniversário dele.
Graças a Deus foi que o bebê no final se saiu bem, sem seqüelas nem maiores complicações. O que ele deu foi um susto mesmo, um baita susto pra mostrar a que veio, pra não deixar que a mãe desvie-se do caminho a que vai, no qual recebeu ele, pra que não se esqueça dos índios, muito menos em nome dele, e que dali pra diante tivesse mais responsabilidade. Era uma viva alma pra Esmeralda cuidar. Agora Esmeralda é mãe, sem dores, sem medos, sem vaidade. È um ser que subiu alguns degraus pra mais perto do céu. A única coisa que ela deseja com a própria vida é a saúde do filho. E só agora, com Guy nas mãos, ela entendeu o que é isso.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A jaca



A jaca é pesada, suas cracas ofendem a pele, seu visgo escorre e gruda, e tudo gruda nele. Pra carregar uma jaca durante uma longa caminhada, só gostando muito mesmo. De repente, durante o caminho, você se pergunta por que cargas d’água trouxeste essa fruta. Quando você parar para saboreá-la, vai compreender tudo porem.
Ao partir sua casca grossa, ainda que com dificuldade, o cheiro de jaca madura começa a tomar conta do ambiente e da alma, e você poderá reafirmar sua gana de carregar a jaca. Quando morder aquele bago da jaca dura, madura, vai ter certeza do que fez. A jaca é forte, nutritiva, doce, deliciosa. E ainda vai querer carregá-la por todos caminhos quanto andar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O pé!


Meu bem é o pé de pau. Uma árvore frondosa, grande, pesada, real. Grossa pela sua natureza. Delicada, sensível, minusiosa pela sua inteligência instintiva. Sombra farta, em sua dádiva integral. Dura, resistente,decidida, bem plantada. Mortal enfim.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Manancial de vidas



Hoje teve a andada dos caranguejos. O espetáculo motriz da vida dos mangues, a grande festa de gala, quando todos os caranguejos, fêmeas e machos, saem para se encontrar. Saem dos mangues, entram nas roças, sobem os esbarrancados, passam pelos quintais, se cruzam. Vão pra lá, vem pra cá, na eterna dança do acasalamento.
O mangue é o berço de toda vida marinha. Há quem se engane com seu cheiro de podre, com sua lama imunda. O cheiro é do que há de mais puro e limpo na natureza. Cuidado com seus pés impregnados da cidade pra não imundiciar essa lama higiênica.
A andada acontece na mesma época, ano após ano, geração após geração. Antigamente a andada atraía assim de gente, seus sacos, caçuás e manzuás, charretes, cômbis, burros de carga, tantos opressores do amor no manguezal, que se aproveitaram da dança do acasalamento para lucrar. Antigamente tinha muito caranguejo.
Apesar da poluição, da opressão e da caça, o amor no mangue persistiu. Persiste. Seu ventre esta repleto de carangueijinhos, aratuzinhos, guaiamunzinhos, peixinhos, gentinhas. O mangue é o ventre do mar. A lama é o ventre do mangue. Meu ventre na lama.
***
Eu sou a terra, sou o ventre, sou a lama - fedida e pura. Dentro de mim fincam suas raízes as árvores. Pra fora cuspo seu fruto. Pra fora da terra, para a vida, para o mundo, pra o que puder devorá-lo. Pra cair no chão e se esbagaçar. O fruto do amor entre a terra e um pé de pau.