sexta-feira, 24 de abril de 2009

Esmeralda gosta de índios

Esmeralda gosta de índios. De sua sabedoria, de sua civilização, de sua tecnologia, da espiritualidade. Esmeraldo queria ser índio. Não que ela quisesse ter nascido índia, mas com certeza quer ser cada vez mais índio. Menos urbana, mais civilizada. Quando engravidasse, Esmeralda teria o filho no meio do mato, com a ajuda de uma parteira. Pode até ser uma cigana americana, mas parto natural. Não o normal, mas o natural. sem holofotes, enfermeiros e suas máscaras, a filmadora, a anestesia. Sem anestesia, no meio do mato, contando com a sorte que Darwim explica. Até chegou a conhecer uma parteira, numa roda de capoeira em Ilheus, trocou telefone, MSN.
Morava numa choupana sem energia ou água, numa roça no meio da floresta, uma casa engraçada, sem parede nem móveis. Um áquario de vidro, arrodeado de árvores grandes, pés de banana, orquídeas e bromélias, uma cachoeira, morcegos, cobras, escorpiões, macacos e tatus. Preguiças e lagartos. Um friozinho gostoso no litoral da tropical Bahia. Uma lua de mel interminável, um amor diário que não escondia a vontade de se tornar uma família. Destes amôres que não precisam de contraceptivos, porque de tão verdadeiro, e vivo, é fértil como todas as coisas que são vivas de verdade. Destes amôres que toda noite ensaiam o balé de seu ultimo momento, de seu amor derradeiro e que toda noite celebram a sorte de um fruto.
Eis que esmeralda engravidou e, no instante seguinte ao primeiro enjôo, no mesmo momento esqueceu como que por um passe de mágica, da parteira cigana americana, do parto no mato, e da casa engraçada. Neto de médicos não nasce no meio do mato, porque por mais índio que Esmeralda queira ser, ela é antes de tudo urbana. Esmeralda podia estar descontaminando-se, mais não estava descontaminada.
Mudou de casa, foi pra cidade. Não pra babilônia, babilônia nunca mais. Itacaré é uma cidade pequena, de 25 mil habitantes, igreja matriz, orla marítima, umas 30 praias paradisíacas, turística, lojinhas e restaurantes abertos a noite na rua do comércio. Rodas de capoeira na praça, show de arrocha e de música evangélica, e também muito reggae e forró pra que der e vier.
Esmeralda tinha uma casa na rua do comércio, com energia elétrica, água, esgoto aberto. Fogão, geladeira e TV. Notebbok e celular. Foi pra lá que esmeralda se mudou, afim não-sei-de-quê segurança, conforto e comodiade.
Não podia, imagina se, Deus me livre acontece alguma coisa no parto. E o bebe sofra, a mãe morra, os dois morrem. Ela mesma, somente neste ano de 2008 havia precisado três vezes de um hospital. A última vez, três meses antes de engravidar, Esmeralda chegou semi-morta a emergência do Hospital São Jorge, da rede particular de Ilhéus, cooperada a seu convênio. Ele estava no meio do nada quando teve os primeiros sintomas e a jornada até um hospital levou três dias. O Hospital curou-a com seus antibióticos, mas até hoje não se sabe o que teve Esmeralda. Não era o caso de doença rara ou desconhecida, mas de incompetência médica ou, no mínimo, ambulatorial. Foi pra casa sem saber o que teve, e hoje, está em casa, pensando no que poderia acontecer se seu filho nascesse num hospital como esse. Sem São Paulo não dá.
A gravidez foi ótima, de uma preguiça ociosa gostosa somente permitida pela tranqüilidade da alma. Sol pela manhã, praia, comida natural , como o era sempre, vitaminas para o bebe, prioridade nas filas e nos assentos.
No oitavo mês Esmeralda foi pra casa dos pais, no interior de São Paulo, pra dar à luz o bebê. Se fez tanto ultrassom e visitou tanto a médica era porque tinha agora um certo medo do parto normal, desses em que se sofre horas as dores dentro de um hospital, pra que, na hora que seu filho nascer, eles o peguem antes de você e o levem, e lavem, e só te devolvem se acham que ta tudo bem. De certo que quando nascer, vão o levar, o lavar e devolver só quando der, mas pelo menos não sofreria horas a dor do parto, e o bebe não nasceria com o cordão enrolado no pescoço.
Esmeralda fez tanto ultrassom e visitou tanto a médica que a médica decidiu que o bebe já havia alcançado os 38 meses, tempo que, pra sua medicina, é suficiente pra formação completa e perfeita do feto.
Era onze de março e o tempo tinha virado, amanheceu chuviscando naquele dia que seguia tantos outros de sol. A mala estava pronta e todos estavam ansiosos pra conhecera o filho de Esmeralda.
Às nove e trinta e quatro da noite, a sala de parto parecia ume estádio, pois além dos holofotes, dos médicos e enfermeiras, suas máscaras, a filmadora e a anestesista, a platéia também estava lá: pai e avós.
Levaram o bebê e não trouxeram mais. Esmeralda demorou 24 horas pra vê-lo e sete dias para pegá-lo. Ele não foi pra casa quando nasceu, foi pra UTI. Quem foi pra casa foi Esmeralda, sem filho, sem barriga, sem moral. Quem era Esmeralda pra querer ser índio? O que teve foi que ele não tava na hora de nascer. Tava quietinho, bem, seguro e bulindo muito na barriga. Quem era Esmeral pra interromper?Quem era a médica pra dizer que interromper é natural, que a fruta dá antes do tempo? Que a evolução da vida em milhões de anos é menos sábia que uma medicina ceintífica centenária.
Quem sofreu foi o bebe, que foi puxado a ferro, tomou mais de 35 tipos de remédio pra fazer o que a natureza faria sem nenhum, ficou 10 dias com um tubo enterrado na goela, numa sala de luz de geladeira, cheia de bips e twins, pessoas vestindo luvas pra tocar nele, e ainda nasceu antes do dia de seu aniversário. Ninguém jamais saberá o dia do aniversário dele.
Graças a Deus foi que o bebê no final se saiu bem, sem seqüelas nem maiores complicações. O que ele deu foi um susto mesmo, um baita susto pra mostrar a que veio, pra não deixar que a mãe desvie-se do caminho a que vai, no qual recebeu ele, pra que não se esqueça dos índios, muito menos em nome dele, e que dali pra diante tivesse mais responsabilidade. Era uma viva alma pra Esmeralda cuidar. Agora Esmeralda é mãe, sem dores, sem medos, sem vaidade. È um ser que subiu alguns degraus pra mais perto do céu. A única coisa que ela deseja com a própria vida é a saúde do filho. E só agora, com Guy nas mãos, ela entendeu o que é isso.

Um comentário:

  1. Guy, veio antes de seu aniversário, mas se vc perguntar pra ele se ele quer voltar?, garanto que não! Ele não via à hora de te reecontrar!
    Amo vcs..

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