quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Mulheres da vida

Eu sempre invejei as prostitutas, e sempre me senti fraca diante delas. As prostis, como sabemos, são mulheres da vida. E nós, as não prostis, o que somos? Somos as mulheres dos nossos contos de fadas. Revivendo as histórias que ouvimos, por medo de pisar no chão. As meninas da vida não revivem o velho relato dos contos, com seus finais 'felizes'. Elas caminham pelo desconhecido e isso as torna reais, 'da vida'.

Eu mesma, mulher de-faz-de-conta, conheci raros homens que já foram a bordéis. Os homens dos meus contos nunca foram a bordéis, não precisam disso, jamais pagariam pra ter uma mulher.

As mulheres da vida conhecem os homens da vida: nossos maridos, nossos amores, nossos pais e nossos filhos reais.Nós só conhecemos homens que não existem.

Isso me faz lembrar um pequeno escritor (pequeno não na escrita, mas no tamanho) amigo meu que fala francês. Outro dia, eu e Meu Amigo Pedro recebemos a visita de um colega frances, fotógrafo da Magnun, que viaja o mundo vivendo e grafando os bordéis de sua vida. Para ciceronear nosso colega, Meu Amigo Pedro sugeriu levá-lo a um bordél no Largo da Batata, nossa morada. Mas Meu Amigo Pedro não fala frances, nosso colega tampouco fala português e eu, lembrei do pequeno escritor. Liguei para ele pedindo que os acompanhasse e ele recebeu meu pedido como uma ofensa mortal.

"Fernanda, eu jamais iria a um puteiro", disse ele quase com nojo.

Resultado: eu, que não falo frances, mas falo espanhol, guiando nosso fotógrafo pelas luzes vermelhas de sampa.

E o que eu vi nestas casas da vida? Homens, muitos homens - por incrível que parecesse. Homens vindos de um mundo mais real que o meu. Estavam lá meus amigos, meus amantes, meu pai, meu filho, estes homens que dizem a nós, mulheres de contos, que eles nunca vão às mulheres da vida. Até os pequenos escritores, que jamais iriam, estavam lá.

*

Era quase madrugada. Guy tinha acordado animadíssimo e em mim e em Breno bateu aquela fome. Fomos no posto de gasolina, onde uma chapa 24hs fabrica o sanduiche mais podrão da cidade - o mais consumido, o mais real.
Chega uma doida, com a boca travada, com idade de criança e atitude de experiente. Uma mulher da vida de Itacaré. Conhecia Breno. A mim chamava de 'gata', como se eu fosse uma menina inocente e mimanda, que deve ser elogiada, e a quem não se pode contar as coisas da vida. Eu me sentia mais que isso. Sentia como se fosse um quadro na parede, destes que mechem os olhos e a tudo observam. Meu desejo era pular da parede para a sala, do gesso para a vida.

Aquela menina da vida abraçava meu marido como se fossem bons amigos. Estava sinceramente emocionada (estava travada é claro). Pegava em seus ombros e se demonstrava feliz em ver Breno com sua mulherzinha e seu filhinho. Ela parecia conhecer nele o homem que eu nunca conheci.

Eu era a mulherzinha, calada pela fome, sentada no banco, devorando com gôsto um hamburquer que eu nem gosto, comendo aquela comida de mentira.

2 comentários:

  1. chorei,
    pra variar me arrancou lágrimas
    tu é foda.
    tu é uma das melhores que conheço...
    não pare nunca...
    tu não escreve, tu abençoa...

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  2. as vezes agente se acha normalzinha demais....e qdo vc....um dos melhores escritores q pude ler, me diz essas coisas...nao da vontade de parar mesmo

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